PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O caso do mendigo


Publicado originalmente na Gazeta da Tarde, em 26/05/1911

Os jornais anunciaram, entre indignados e jocosos, que um mendigo, preso pela polícia, possuía em seu poder valores que montavam à respeitável quantia de seis contos e pouco.

Ouvi mesmo comentários cheios de raiva a tal respeito. O meu amigo X, que é o homem mais esmoler desta terra, declarou-me mesmo que não dará mais esmola. E não foi só ele a indignar-se. Em casa de família de minhas relações, a dona da casa, senhora compassiva e boa, levou a tal ponto a sua indignação, que propunha se confiscasse o dinheiro ao cego que o ajuntou.

Não sei bem o que fez a polícia com o cego. Creio que fez o que o Código e as leis mandam; e, como sei pouco das leis e dos códigos, não estou certo se ela praticou o alvitre lembrado pela dona de casa de que já falei.

O negócio fez-me pensar, e, por pensar, é que cheguei a conclusões diametralmente opostas à opinião geral.

O mendigo não merece censuras, não deve ser perseguido, porque tem todas as justificativas a seu favor. Não há razão para indignação, nem tampouco para perseguição legal ao pobre homem.

Tem ele, em face dos costumes, direito ou não a esmolar? Vejam bem que eu não falo de lei; falo dos costumes. Não há quem não diga: sim. Embora a esmola tenha inimigos, e dos mais conspícuos, entre os quais, creio, está M. Bergeret, ela ainda continua sendo o único meio de manifestação da nossa bondade em face da miséria dos outros. Os séculos a consagram; e, penso, dada a nossa defeituosa organização social, ela tem grandes justificativas. Mas não é bem disso que eu quero falar. A minha questão é que, em face do costume, o homem tinha direito de esmolar. Isto está fora de dúvida.
(...)
Lima Barreto

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