J. S. Bach
Por Ivan Alves Filho
A pequena cidade de Eisenach teve um papel singular
no desenvolvimento da civilização ocidental moderna. Nas suas cercanias, mais
exatamente no Castelo de Wartburg, Martin Lutero traduziu a Bíblia Sagrada para
a língua alemã, tornando praticamente irreversível a Reforma protestante. E os
partidários de Marx e Engels fundaram ali, em 1869, o Partido Social Democrata
da Alemanha. Mais: na acanhada cidadezinha cercada de encantadoras florestas,
nasceu Johann Sebastian Bach, para muitos o maior nome da música em todos os
tempos. Ninguém ou nada vem ao mundo em Eisenach impunemente, pelo visto.
Bach, um fervoroso protestante, justamente, era
originário de uma família de músicos. Religião e Arte faziam parte do seu
corpo, como sangue e ossos. Seu trisavô, Veit Bach, teria sido obrigado a
deixar a Hungria por professar a fé luterana. Daí a família ter se estabelecido
na Silésia, na parte oriental da Alemanha. Seu bisavô já era músico
profissional e Bach aprenderia violino com o próprio pai. Órfão muito cedo,
prosseguiria seus estudos com o irmão mais velho. Com apenas 14 anos de idade,
em 1699, já era contratado como violinista e organista pela corte de Weimar, que
começava a se projetar como uma espécie de Atenas da Alemanha - homens como
Goethe e Schiller e, mais tarde, Nietzsche fincariam os pés por lá.
Sebastian Bach teria composto na passagem do século
XVII para o seguinte as suas primeiras cantatas. E, sobretudo, o músico já
impressionava pelo seu virtuosismo. A darmos crédito a um depoimento, ao tocar
órgão, Bach "corria sobre os pedais como se seus pés tivessem asas,
fazendo o instrumento ressoar de tal maneira que quase se diria ouvir uma
tempestade".
Sua saída de Weimar fora um tanto quanto
tumultuada. O Duque de Weimar chegou a mandar prendê-lo, porque Bach insistia
em deixar a cidade em busca de melhores condições de trabalho. Obstinado, o
músico não cedeu às pressões do Duque e ainda concebeu, na prisão, o Pequeno
livro de órgão. Conforme escreveu seu biógrafo Karl Geiringer, "o desafio
determinado de Sebastian Bach aos desejos de seu patrono constitui um
importante marco, embora ainda isolado, na luta dos artistas pela liberdade
social". Resultado: o músico foi solto. Que jeito?
De Weimar - onde permanecera por nove anos, mas não
lograra tornar-se mestre-de-capela - o jovem músico ganha Cötten, a convite do
príncipe Leopoldo. Bach passa a se dedicar, então, à música instrumental,
deixando praticamente de lado a música sacra. É a fase das Suítes francesas
para cravo e dos magníficos Concertos de Brandenburgo. O espaço profissional
dos músicos se alternava então entre a igreja e a nobreza. Para a sorte de
Bach, o príncipe "não só amava como conhecia música", executando
vários instrumentos de corda, além de possuir uma bela voz de barítono.
Após muito perambular pela Alemanha, Bach vai para
Leipzig, onde residiria por quase três décadas. Mas nem sempre encontrou ali
boas condições para atuar. A organização musical de Leipzig dependia do chamado
Conselho da Cidade, que chegou a emitir um parecer, em 1730, no qual se podia
ler que Sebastian Bach "mostrava pouca inclinação para trabalhar".
Toda vez que ouço algo de Johann Sebastian Bach -
para além do prazer incontido que isto provoca em mim -, firmo a convicção de
que sua música - de tão tensa, retorcida, obcecada até - não cabe completamente
nos limites das notas musicais. Na verdade, Bach nos remete a um som que
extrapola ou atropela tudo que conhecemos em matéria de escala ou métrica.
Talvez resida aí a principal característica do estilo barroco - o estilo por
excelência de Sebastian Bach -, o qual ocupa todos os espaços possíveis da
superfície musical. Seja como for, acontece com a arte de Bach aquilo que
também ocorre com certas representações pictóricas - que, de tão plenas, deixam
a sensação de que dispensam a camisa de força das molduras e telas, propondo um
espaço cênico infinito. Podemos dar a isso o nome de liberdade artística - ou
criação sem limites.
(...)
Fonte: Algo a Dizer
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